O que é isso companheiro?

Encontrei numa pasta perdida dentro do meu ipod um trabalho que fiz em 2007 lá na Cásper e que lavei minha alma. Até cheguei a falar dele aqui no blog

Faculdade Cásper Líbero

Larissa Menon Rodrigues – 2º RTV A – 206538

História do Brasil Contemporâneo – 3º Bimestre – 2007

O QUE É ISSO COMPANHEIRO?

“Este filme é baseado num fato verídico, mas que está tratado sem se limitar a estrita realidade dos fatos. Alguns personagens são, às vezes, a fusão de três ou quatro outros fundindo-se comportamentos, ações e situações diversas na busca de uma síntese.”

É com tal frase que se inicia o filme O que é isso, companheiro? de Bruno Barreto. O filme é uma adaptação do livro de Fernando Gabeira que leva o mesmo nome. Quando lemos um aviso desses já sabemos que devemos esperar diferenças entre o que é contado no livro e o que veremos a seguir, mas ao assistir ao filme, comparando com os fragmentos do livro é impossível não notar as diferenças.

É difícil saber comparar um fato histórico retratado em um livro escrito por alguém que viveu a história – no caso de Gabeira ele estava lá, ele havia seqüestrado o embaixador – com o mesmo fato retratado em um filme que precisa contar sua história num tempo que fica em torno de duas horas. Ambas versões do acontecimento correm o risco de serem tendenciosas, num caso desses talvez seja impossível que se fuja disso.

É sabido que a história se reinventa e se reescreve continuamente com o passar do tempo. Quando Gabeira escreveu seu livro em 1979 ele contou a sua versão da história. Quando Bruno Barreto colocou na tela a sua adaptação do que havia acontecido naqueles dias de Setembro de 1969, ele provavelmente já sabia mais do que Gabeira conta em seu livro. Essa história provavelmente já havia sido contada por outros.

Desde o começo do filme podemos notar as diferenças: um amigo que fica de fora da luta armada. No livro encontramos uma figura que decide sair do movimento. Mas o Bom Secundarista não era ator, ou pelo menos Gabeira não nos conta isso em seu livro, virou hippie e afirmou “Se vocês puxassem um fumo, veriam que essa revolução não vai dar certo. Em todo o caso, respeito o caminho que escolheram”.

O ritual de iniciação foi retratado por Gabeira como uma conversa solene cheia de sorrisos trocados por ele e por um companheiro numa tarde bonita, na Praça Antero de Quental . O ritual de iniciação não foi para o MR-8, mas sim para a organização leninista. A MR-8 entrou na vida do jornalista de uma forma diferente do que é retratado na película de Bruno Barreto. No filme o jornalista é recrutado pelo MR-8 e Maria é a líder do grupo, é dura e decidida. No livro o grupo de Gabeira se torna o Movimento Revolucionário Oito de Outubro por apropriação do nome. O MR-8 original era responsável pela guerrilha rural, mas havia caído no Paraná por ser um grupo isolado e em seguida, todo o movimento desapareceu. Algo sobre isso é dito no filme, mas passa batido.

O que é isso companheiro? Essa pergunta que dá título ao livro e ao filme tem seu peso retratado de maneiras diferentes em cada um deles. No filme ele é proferido por Maria (com seu nome real sendo Andréia, seria ela Vera?), após um beijo que o jornalista lhe dera. No livro, entretanto, quem inúmeras vezes indaga tal pergunta – O que é isso companheiro? – é o jovem Dominguinho que com pouco mais de 15 anos é apaixonado pelo movimento. Sua pergunta é uma resposta para tudo o que Gabeira lhe dizia e que lhe parecia inapropriado.

Tanto o beijo, quanto as perguntas do jornalista podem parecer inapropriadas, mas seu peso é diferente quando consideradas as situações em que acontecem, pois se no filme a pergunta vem após um beijo que representa o nascimento de um romance, no livro a frase-título aparece como contestação da inocência ainda presente na mente do jornalista. Não só na dele, mas na de todos os que participavam da organização.

Este é outro aspecto importante do livro retratado no filme. No primeiro sentimos uma leve inocência no que nos é descrito. “Dentro da Kombi as pessoas sorriam discretamente, orgulhosas (…). ‘Meu Deus, seqüestramos o Embaixador dos Estados Unidos’”. No filme tudo é premeditado, há uma frieza e uma maldade naquilo que fazem, desde o planejamento até a libertação do embaixador, principalmente da parte de Jonas, o comandante militar da ação, Aliás, no livro Jonas quase não é citado.

Notamos a pessoa de Dominguinho na jovem personagem Julio, quando o vemos lendo um gibi. Mas essa personagem que abriga um rapaz doce e inteligente é também aquela que se oferece para matar o embaixador, caso fosse necessário.  Jonas, que é retratado como o mais cruel de todos no filme, claramente tem problemas com Gabeira por sua não habilidade na luta armada. Porém, no livro o próprio Gabeira justifica sua não participação nas atividades armadas, pois sua função era cuidar da casa, de seu funcionamento e dos contatos com a imprensa durante a negociação do seqüestro.

Notamos ainda a ausência de uma personagem importante para o jornalista durante seu tempo de atividades no movimento de resistência ao regime ditatorial: Zé Roberto. Marido de Vera, com quem Gabeira se casa quando sai da prisão, não participou efetivamente do seqüestro do embaixador norte-americano, mas era ele quem realizava o contato entre o MR-8 e a Organização.

Inúmeras são as diferenças que encontramos entre a peça audiovisual do cineasta Bruno Barreto e o livro do jornalista, isso se deve à diferença existente entre os dois veículos, e em busca de uma síntese das palavras de Gabeira, Barreto condensou fatos, personagens e criou novas situações para expor a história de um grupo de jovens militantes que decidiram entrar para a luta armada durante a ditadura militar no Brasil.

Nos anos de 1960 o país se viu diante de uma situação jamais vista antes. Não havia mais democracia e conforme o tempo passava o Governo diminuía os direitos da população. Em Dezembro de 1968, o AI-5 entrou em vigor para por fim à liberdade de imprensa e alienar mais ainda as massas e as elites.

Os militares estavam empenhados em se manter no poder, custasse o que custasse e após 4 anos governando o país deram o golpe final. Os movimentos de esquerda brasileiros então perceberam que não poderiam mais ficar parados, de nada adiantava mais grupos de discussão dos intelectuais do Partido Comunista – o Partidão – de nada adiantava passeatas contra o governo de onde sempre saiam mais e mais presos políticos.

Para alguns grupos do PC e outras organizações chegara a hora de ir além. A luta armada não poderia mais ser evitada.

Era neste cenário que o jornalista Fernando Gabeira se encontrava, era esta a realidade em que vivia. Deixou de ser funcionário do Jornal do Brasil e se assumiu devidamente em meio a massa, abandonou a vida dupla de funcionário de um grande jornal representante do capitalismo e panfletagem em porta de fábricas antes do expediente. Abraçou de vez o movimento de resistência e adentrou o movimento leninista. Em 1969 não havia mais volta, seu grupo se apropriara do nome MR-8 e transferiu a responsabilidade de luta armada para eles. Não mais uma guerrilha rural, agora a MR-8 atuaria no Rio de Janeiro.

No auge de sua vida clandestina, Zé Roberto, seu grande amigo lança a idéia e surge o plano: Seqüestrar o embaixador dos Estados Unidos, Charles Burke Elbrick.

Em troca do embaixador, o MR-8 com ajuda de militantes experientes da ALN (Ação Libertadora Nacional), vindos de São Paulo, decidiram pedir a libertação de 15 presos políticos que sofriam barbaridades sob tortura nos cárceres da Ditadura Militar.

O seqüestro, apesar de ser uma ação da guerrilha urbana, foi um ato inovador e arriscado, porém pacífico. Talvez porque os militantes soubessem que era precioso demais para o Governo o apoio dos Estados Unidos e caso algo de mal acontecesse ao embaixador, esse apoio iria por água abaixo. As autoridades então logo cumpriram as exigências e quando os presos chegaram ao México, após 4 dias em cativeiro, Charles Elbrick foi liberto.

No livro, Gabeira conclui que dois dos envolvidos morreram após a ação, outros foram presos e libertos após cumprir pena, outros foram libertados da mesma maneira como eles libertaram aqueles 15 primeiros presos políticos: por meio de seqüestro e um outro enlouqueceu.

No filme, todos os envolvidos no seqüestro são libertos por meio de um outro seqüestro e exilados.

Na história o que se cumpriu foi uma seqüência de outros seqüestros de personagens importantes e que garantiram a libertação de inúmeros presos políticos.

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.